O noticiário da delação ou colaboração premiada dos sócios da J&F levantou dúvidas relacionadas às práticas políticas, de negócios e do funcionamento da polícia, do Ministério Público e do Poder Judiciário. Para a sociedade restou a impressão dos abalos se restringirem a suspeitas sobre o uso do banco oficial de fomento econômico como instrumento à busca de recursos para campanhas políticas. Mas a ideia - aventada por muitos - de que nada mudou é imprecisa.

A forma como foi estruturada a delação da J&F, o que saiu até o momento na imprensa e o nível das pessoas envolvidas na reviravolta dos fatos têm sim a capacidade de gerar dúvida sobre a eficácia e a continuidade do instituto da colaboração premiada. Mas apenas para quem se atém à interpretação do que é coberto pela mídia. O objetivo, a estrutura e os meios para atração de colaborações premiadas permanecem incólumes.

As delações premiadas são figuras novas na legislação. Das reservas quanto ao seu uso passou-se - num tempo bem curto - para o entendimento de ser ferramenta legítima para estratégias de defesa. A jurisprudência está sendo construída pela cauda longa da Justiça.

Essa cauda compreende a sua aplicação em milhares de casos por todo o país, para os quais as autoridades públicas têm a obrigação de apurar e diante de indícios, instaurar inquéritos, apresentar denúncia e dar andamento ao devido processo legal. O instrumento está sendo usado cada vez mais intensamente.

Outra coisa superimportante é a intenção natural da delação premiada combinada com os acordos de leniência e a legislação contra atos de corrupção. A aplicação da justiça não deve gerar danos que punam além dos culpados.

Isso significa muitas vezes aplicar a lei apenas sobre as pessoas responsáveis pelos atos criminosos, evitando-se prejuízos econômicos para a empresa e toda a cadeia de fornecedores envolvida.

No caso da gigante alemã Siemens, não deixaram quebrar, preservaram empregos, afastaram os responsáveis, criaram uma nova realidade.

A legislação brasileira tem o mesmo intuito e estabelece mecanismos capazes de fazer o mesmo. Precisamos apenas saber como cumprir isso. Se não o fizermos, o problema não será se o estatuto legal funciona ou não. Mas saber as razões de porque nós – operadores do direito e aplicadores da Justiça – não conseguimos fazer com que funcione.

*Sócio do Saiani & Sglietti Advogados

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