Como a reforma trabalhista moderniza a legislação e combate a 'banalização' da Justiça

"Um destaque é a possibilidade de trabalho intermitente, podendo o empregado prestar serviços a outros contratantes nos períodos de inatividade."

Por Pedro Chicarino, especialista em Direito do Trabalho do Saiani & Saglietti Advogados

Em meio às discussões no Congresso Nacional e em diversos ambientes da sociedade, é preciso dizer que grande parte das mudanças nas relações laborais previstas no projeto de reforma trabalhista podem acarretar, sim, em benefícios para empregadores e empregados.

Independentemente do texto final, os efeitos das alterações serão melhor analisados ao longo do tempo e após a sanção presidencial. Em sua redação atual, o PLC 38/2017 propõe uma atualização na Consolidação das Leis do Trabalhoem busca da facilitação da negociação entre as partes.

Uma proposição nesse sentido é relativa à possibilidade de negociação de sistemas de compensação de jornada de trabalho por meio dos acordos individuais, ou seja, de forma direta entre empregador e empregado. Atualmente, a Súmula 85 do Tribunal Superior do Trabalho estabelece que a negociação coletiva é um requisito para a implantação do banco de horas.

Na mesma linha, a Súmula 444 do TST também estabelece a necessidade de negociação coletiva para a validação do sistema de jornada de 12 horas de trabalho por 36 horas de descanso. O atual texto da reforma trabalhista, contudo, estabelece a possibilidade de negociação individual para implementação tanto do sistema de jornada de trabalho 12x36 quanto do sistema de banco de horas.

A redação atual da reforma trabalhista também apresenta novas modalidades de contrato de trabalho e inovações nas relações entre empregados e empregadores. Um destaque nesse sentido é a possibilidade de contratação para trabalho intermitente, na qual a prestação de serviços não é de forma contínua e o pagamento ao empregado é pelas horas trabalhadas, podendo o empregado prestar serviços a outros contratantes nos períodos de inatividade.

Essa modalidade contratual poderá contribuir para a redução da alta informalidade existente principalmente no setor de serviços no Brasil. Atualmente, ela é agravada pela ausência de modalidades contratuais que atendam a demandas que não são contínuas.

As necessidades empresariais relativas a jornadas de trabalho alternativas também poderão ser atendidas pelas alterações propostas no sistema de trabalho parcial. A previsão atual na CLT é de um limite de até 25 horas semanais. Contudo, caso a reforma seja aprovada, o limite passará para 30 horas semanais, sem a possibilidade de horas extras, ou 26 horas semanais, com possibilidade de até seis horas extras semanais.

Teletrabalho

Já a questão do teletrabalho pode se tornar uma das principais inovações da reforma trabalhista, principalmente em razão do aumento no número de empresas que já possibilitam e têm interesse em implementar a prática de home office.

A inovação na legislação em dezembro de 2011 reconheceu o uso de meios telemáticos e informatizados para a execução do poder de mando por empregadores perante os empregados. Certamente, este foi um sinal de avanço nesse sentido, mas a legislação trabalhista atual ainda carece de regulamentação mais específica nesse aspecto.

A proposta da reforma regulamenta essa modalidade de vínculo empregatício e a define como aquela que acontece fora das dependências do empregador e com tecnologias de comunicação e informação. Há previsão de que ela seja acordada diretamente entre empregadores e empregados, com obrigatoriedade de formalização do contrato de trabalho. Caso seja aprovada, haverá isenção da obrigação de controle de jornada de trabalho e consequente pagamento de horas extras.

Mais mudanças

Outra proposição inovadora é a criação da rescisão contratual por acordo entre as partes, uma nova modalidade de extinção do contrato de trabalho que poderá ser acordada entre empregado e empregador. Nessa hipótese, serão reduzidos pela metade os pagamentos de aviso prévio indenizado e indenização sobre o saldo do FGTS, que seria de 20%. Nessa modalidade de rescisão, o empregado poderá, ainda, movimentar até 80% do valor depositado na conta vinculada do FGTS, mas em contrapartida não será elegível ao seguro-desemprego.

A redução do intervalo intrajornada, destinado ao repouso e alimentação dos trabalhadores, poderá ser pactuada por meio de convenção coletiva ou acordo coletivo de trabalho e prevalecerá sobre a lei, observando-se o mínimo de 30 minutos. A principal alteração, contudo, diz respeito ao pagamento no caso de supressão do intervalo. O entendimento atual do TST é de que, na hipótese de supressão do intervalo, é devido o pagamento de todo o período, com acréscimo de 50%, enquanto a previsão na reforma é de que somente será devido o pagamento do período suprimido, com acréscimo de 50%.

Justiça do Trabalho

Além das inovações acima descritas, o texto atual da reforma também apresenta proposições que visam combater a "banalização" da Justiça do Trabalho, que tem refletido diretamente no crescente número de demandas.

As alterações possíveis são relativas aos requisitos necessários à concessão do benefício da Justiça gratuita, que atualmente tem como requisito a mera existência de declaração do empregado de que o pagamento das custas pode ser prejudicial ao seu sustento. Com a alteração pretendida, a regra geral para a concessão seria somente aos empregados cujo salário seja igual ou inferior a 40% do limite máximo dos benefícios da previdência social, que atualmente é de R$ 5.531,31. Ou seja, para o ano de 2017, por exemplo, somente os empregados com salário até R$ 2.212,52 poderiam ser beneficiários da justiça gratuita.

Aos profissionais com salário superior, a mera declaração de impossibilidade de pagamento de custas deixaria de ser suficiente à concessão do benefício, cabendo a eles a comprovação da efetiva impossibilidade de arcar com o pagamento de custas processuais.

Outras proposições que visam a prevenção de abusos na Justiça do Trabalho dizem respeito a obrigatoriedade de pagamento de honorários sucumbenciais de forma recíproca. Ou seja, cada parte é responsável pelo pagamento de honorários sobre a sua "perda" no processo. Há ainda a possibilidade de aplicação de multa de 1% a 10% por litigância de má fé e a obrigatoriedade de pagamento de custas processuais em caso de ausência injustificada do autor da ação na audiência.

Por último, a redação da proposta traz uma atualização importante do conceito de grupo econômico. Hoje, o parágrafo 2º do art. 1º da CLT possibilita interpretações subjetivas acerca da caracterização de grupo econômico e consequente responsabilização solidária de empresas de um mesmo conglomerado.

A inserção do parágrafo 3º, presente no projeto de lei, pode dar mais segurança a investidores. Com a mudança, a mera identidade de sócios não caracteriza grupo econômico. Para a configuração do grupo e responsabilização solidária, são necessárias a demonstração do interesse integrado, a efetiva comunhão de interesses e a atuação conjunta das empresas dele integrantes.

A mera existência de um sócio em comum nas diferentes empresas não significa necessariamente a gestão comum de um conglomerado. E a inserção dessa previsão legal mitigará interpretações subjetivas nesse aspecto.

Principais mudanças na CLT

1. Direitos negociáveis

Acordo coletivo e convenção coletiva prevalecem sobre a lei para: acordos de jornada de trabalho, com respeito aos limites constitucionais; banco de horas anual, intervalo intrajornada com mínimo de 30 minutos para jornada superior a seis horas; identificação dos cargos de confiança; representante dos trabalhadores no ambiente laboral.

Estão inclusos, ainda: plano de cargos, salários e funções; remuneração por produtividade e desempenho individual, participação nos lucros e resultados; prêmios de incentivo em bens ou serviços.

2. Sem negociação

Vedada negociação, com prevalência dos acordos coletivos sobre convenção coletiva, para, entre outros: repouso semanal remunerado, férias anuais com mais de 1/3 do salário, licença-maternidade, licença-paternidade, aviso prévio proporcional ao tempo de serviço, adicional de remuneração nas atividades penosas, insalubres e perigosas, salário mínimo, adicional noturno, depósitos de FGTS.

3. Jornada

Determina o fim da exigência da licença prévia das autoridades e de negociação coletiva para jornadas de trabalho compostas por 12 horas de atividades e 36 de descanso ininterrupto.

4. Gestantes ou lactantes

Hoje: empregada é afastada de quaisquer atividades, operações ou locais insalubres.

Mudança: Afastamento somente nas atividades insalubres de alto grau. Afastamento é condicionado a atestado de saúde emitido por médico de confiança da mulher para trabalhos de médio grau durante a gestação e de qualquer nível na lactação.

5. Rescisão

Pode ser realizada de "comum acordo" entre contratante e empregado. Há pagamento de metade do aviso prévio se indenizado. A indenização sobre o montante do FGTS é de 20%, com movimentação de até 80% do saldo disponível.

Nesta modalidade, empregado não tem direito ao seguro-desemprego.

Rescisão de contrato superior a um ano não é obrigada a ser feita no respectivo sindicato ou Ministério do Trabalho.

6. Comissão de fábrica

Assegurada eleição de representante direto com empregadores, mesmo para empregados não sindicalizados.

Trabalhadores com prazo determinado, contrato suspenso ou em aviso prévio não podem participar da eleição.

7. Salários

Auxílios, prêmios e abono não integram o salário nem incidem sobre encargos trabalhistas e previdenciários.

8. Quitação anual

Possibilidade de assinatura de termo de quitação anual das obrigações trabalhistas pelo trabalhador na presença do sindicato correspondente.

9. Judicialização

Limite do acesso à Justiça gratuita aos que recebem salário igual ou inferior a 40% do limite do Regime Geral de Previdência Social (R$ 5.531,31 em 2017).

Estabelece o pagamento dos honorários periciais pela parte vencida, mesmo se beneficiária da Justiça gratuita.

Condenação dos reclamantes ao pagamento das custas processuais em caso de ausência injustificada na audiência.

Define que a indenização por danos morais varia de acordo com o salário do prejudicado, mesmo que diferentes beneficiários tenham sofrido igual dano.

Indenização mínima de cinco vezes e máxima de 50 vezes do salário do prejudicado.

Implementação da condenação em honorários sucumbenciais de forma recíproca, de 5% a 15%.

Possibilidade de aplicação de multa por litigância de má-fé de até 10% do valor da causa.

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Imagem: Arquivo/Pixabay