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OPINIÃO

O próximo passo para lidar com a corrupção no Brasil é acabar com a corrupção privada.

03/10/2017 19:47 -03 | Atualizado Há 17 horas

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·         José Samurai Saiani Mestre em Direito das Relações Sociais

 

Formado em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP) e mestre em Direito das Relações Sociais (Direito Civil Comparado) pela mesma universidade, tendo, ainda cursado o American Legal System da Universidade de Columbia em Nova Iorque. Experiente em fusões e aquisições nacionais e internacionais, sendo reconhecido pelas principais publicações especializadas.

Donos da JBS violaram leis e tiveram relação promíscua com governos.

O tsunami combinado com furacão e terremotos da Operação Lava Jato sobre a política e as empresas tem a capacidade de gerar muitas palavras que sintetizam o momento para quem as diz, mas capazes de confundir quem está na audiência de grandes sites e programas de rádio e TV. Compliance, leniência, lei anticorrupção, delação e colaboração premiada são algumas delas.

Convenhamos, após dezenas de abre e fecha celular para ver as últimas notícias durante o dia de jornada exaustiva de trabalho, sobra pouca energia no fosfato para lembrar de tudo e compreender qual é a relação destes temas neste momento de política criminal que vivenciamos.

As regras para as empresas seguirem práticas de conformidade com padrões éticos em suas relações comerciais -- que se denomina compliance na sua origem norte-americana -- vêm sendo adotadas no Brasil antes de toda a confusão da Lava Jato. E, claro, foram tremendamente reforçadas nesta fase de pega corrupto.

O conceito de compliance nasceu nos anos 70, nos Estados Unidos, para inibir e punir práticas desleais das empresas americanas no estrangeiro após comprovação de suborno de governos para obtenção de contratos. Também visava a proteger o cidadão de práticas irregulares das empresas e dos seus efeitos nefastos.

Tratados internacionais para enfrentar práticas comerciais desleais, crime organizado e assemelhados, foram determinantes para que a legislação brasileira acolhesse a figura do compliance.

Agora, a prática é muito importante para todas as empresas pegas em irregularidades e ilegalidades e que têm relacionamento com a administração pública. Quem não comprovar adesão à conformidade de padrões de integridade nos termos da Lei Anticorrupção não poderá fazer acordos de leniência e manter negócios com a União, estados e municípios.

A lei prevê a responsabilização objetiva, no âmbito civil e administrativo, de empresas que praticam atos lesivos contra a administração pública nacional ou estrangeira. É com base também nesse instrumento que o Ministério da Transparência, Fiscalização e Controladoria-Geral da União instaura e julga os processos administrativos de responsabilização e celebra acordos de leniência no âmbito do Poder Executivo federal.

Quando tramitou no Congresso Nacional (num ritmo de pressão acelerada por conta do avanço das investigações da Lava Jato), os legisladores optaram em não incluir questões criminais no texto. Dessa forma, separaram os aspectos criminais dos relacionados com a reparação civil da legislação.

Portanto, os acordos de leniência não podem ser vistos simploriamente como uma delação premiada das empresas. Para que o acordo possa ser realizado, a empresa precisa comprovar que tem, implantou, fiscaliza e aprimora as práticas de integridade estabelecidas por seus códigos de compliance.

Se não provar isso, será considerada empresa inidônea (imprópria) para negócios com órgãos públicos. A partir disso, seu nome é incluído na lista de empresas proibidas de serem contratadas pelo setor público do Tribunal de Contas da União (TCU).

Já a colaboração premiada, como é formalmente definida na lei, é o benefício legal concedido a um réu em uma ação penal que aceite colaborar na investigação criminal ou entregar seus companheiros. Portanto, aplicável exclusivamente sobre pessoas físicas, não sobre empresas ou pessoas jurídicas. A pessoa vai lá, faz a sua delação, colabora, entrega as provas, e recebe os seus benefícios, como redução da pena, prisão domiciliar etc.

Os acordos de leniência embutem na sua intenção aspecto muito relevante: a defesa da função social da empresa. Os maus feitos de uma empresa são praticados por responsáveis de chefia ou de influência nos destinos da companhia, não por seus funcionários, clientes, investidores.

O discernimento para separar os atos praticados por integrantes da cúpula da Petrobras das centenas de milhares de funcionários é essencial para garantia de negócios, empregos e a sustentabilidade de todos os que têm interesse nos produtos e serviços de uma empresa. Como a Petrobras exemplifica, isso pode significar milhares de dezenas de empresas, a população de todo um país.

Conforme os fatos, os acordos de leniência podem ser acionados no Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE), responsável pela defesa da livre concorrência do País; autoridades de órgãos federais, dos estados e dos municípios, nos aspectos específicos das suas áreas como saúde, telecomunicação, meio ambiente; na CGU, no que concerne à relação de negócios contratados pela União ou que se vale de recursos federais; Ministério Público Federal, nos diversos MPs dos Estados e também nos Ministérios Públicos especializados, como do Trabalho e de Contas.

O passo adiante neste tema está a caminho: o combate à corrupção privada. Proposta tramita no Senado Federal com a intenção de punir com até quatro anos de prisão, mais multa, diretor, administrador, gerente, empregado, membro de conselho ou representante de empresa privada que pedir ou aceitar vantagem indevida, para si ou para terceiros.

E poderá receber as mesmas penas quem oferece ou paga a vantagem indevida. O assunto vai gerar muita discussão para se definir o que é vantagem indevida. Poderão ser presentinhos, mimos, troca de favores, advocacia privada feita por funcionários públicos.

Como se vê, conectadas estas palavras, seus conceitos, suas funções e, principalmente, a sua prática pela aplicação da lei demonstram que o sistema legal funciona. Pode-se ficar indignado com tudo. Envergonhado com as histórias. Triste com as consequências. Pior seria acreditarmos que tudo estava indo muito bem e pagarmos um preço muito maior lá na frente.

*Este artigo é de autoria de colaboradores ou articulistas do HuffPost Brasil e não representa ideias ou opiniões do veículo. Mundialmente, o HuffPost oferece espaço para vozes diversas da esfera pública, garantindo assim a pluralidade do debate na sociedade.

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Imagem: PAULO WHITAKER / REUTERS

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